“Eu perguntaria para mim mesmo se é difícil ser quem você é e se desenvolver naturalmente diante do que o público diz que você é.”
Então, é difícil?
“Absolutamente. Todo artista quer ser ouvido ou visto. Quando você faz um disco que pega, é difícil não querer ser a pessoa que a imprensa parece amar. É um desafio se separar disso e apenas ser quem você é para que a sua arte evolua.”
E a mídia tem tido muito interesse no que você faz, as suas letras atraem muita atenção e até quem faz as críticas fica muito interessante para a mídia. Como esse ciclo funciona para você?
“Sempre ajuda quando a mídia dá atenção. Quanto mais eles publicam as minhas visões sobre situações sócio-políticas, maiores são as chances das pessoas terem acesso aos artigos e considerarem o que eu tenho falado; conseqüentemente eles mesmos pensarem criticamente.
“Surpreendentemente eu não tenho cruzado com muito críticas negativas. Eu acho que o principal dilema é que I Phantom é um pouco complexo demais para muitos críticos. Modestamente, eu acho que é apenas o resultado dos tempos. Rap é tão simples hoje em dia que leva apenas uma ou duas escutadas para absorver a maioria dos discos. Por um tempo, eu sentia que eu tinha me rebaixado por ter colocado algum pensamento no meu trabalho.”
A CIA ou o FBI está atrás de você?
“Eu tenho certeza que sim. Eles só não me ligaram ainda. Algumas merdas estranhas têm acontecido. Por algumas semanas não importava a hora que eu andava com os meus cachorros à noite (seja às 20h ou 3h), eu via o mesmo caminhão dirigir por mim, entrar numa garagem para virar e dirigir por mim novamente. Isso foi preocupante, para dizer o mínimo. Também de vez em quando eu casualmente trombo em algum agente do governo nos meus shows, que tenta iniciar alguma conversa comigo.”
Como são as conversas normalmente?
“O último cara tentou algumas vezes me pressionar para fumar maconha com ele. Eu tinha o sentimento de que teria um par de algemas em mim assim que eu desse o primeiro trago.”
Ah, esqueci de apresentá-lo: “O meu nome é Mr. Lif. Eu sou um letrista e produtor de hip-hop de Boston, Massachussetts.”
Você é o inteligente da Def Jux?
“Não! Eu com certeza não me afilio de alguma forma com inteligência.”
Nascido como Jeffrey Haynes, Mr. Lif cresceu em Boston, no subúrbio de Brighton. Ele lançou o seu primeiro single, "Elektro", em 1998, atraindo atenção de selos como Grand Royal e Def Jux. Trabalhando com o produtor e cabeça da Def Jux, El-P, Lif lançou uma série de singles e EPs, começando com Enters the Colossus, em 2000. Logo em seguida fez o que poucos artistas de hip-hop conseguiram fazer: lançou um álbum ao vivo. O seu trabalho mais ambicioso seguiu em 2002 com Emergency Rations, um EP com sete músicas que comentam a sociedade doente americana depois do 11/9. O seu álbum de estréia, I Phantom, saiu no mesmo ano. Lif se junta ao seu amigo El-P para fazer seis faixas incríveis do disco, com produções feitas por Lif, Fakts One, Insight e Edan. I Phantom também tem convidados como Jean Grae, El-P, Aesop Rock, Akrobatik, Insight, Edan e mais. Ele também é membro de um grupo chamado The Percepvionists, que também conta com Akrobatik e DJ Fajts One. O álbum de estréia deve sair em setembro de 2004 pela Def Jux.
Poderia contar algumas histórias da sua infância?
“As memórias mais vívidas da minha adolescência são de mim e meus pais dançando músicas pop nos sábados de manhã. O meu pai corria para uma loja de departamento chamada Caldor e comprava os novos singles mais quentes. Foi assim que escutei Michael Jackson, Pat Benatar, REO Speedwagon. Todas essas merdas dos anos 80.”
Poderia contar uma história dos anos 90?
“Algumas das minhas memórias favoritas dos anos 90 são dos meus dias na universidade. Eu e o meu amigo Dave Olivarez nunca tínhamos grana, mas às vezes passávamos metade do dia só tentando descobrir que amigo nosso iria fumar alguma maconha boa. Tudo que queríamos fazer nessa época era encontrar um baseado e alguma cerveja para poder jogar umas batidas para fazer uns freestyle por cima. Dave foi a primeira pessoa com que eu rimei constantemente. O seu apoio me ajudou a desenvolver o artista que sou hoje.”
Como era morar em Boston?
“Boston é um lugar maravilhoso para mim, porque lá não tem muita coisa para me distrair. Eu tenho a minha família lá, todos os clubes fecham às 2h e eu tenho um grupo apertado e pequeno de amigos com quem trabalho. Eu não passo muito tempo fazendo coisas frívolas.”
Eu acho que Boston tem grandes problemas raciais.
“Mas Boston é historicamente fodido quando é relacionado com a questão racial. Até hoje existe uma separação intensa entre as comunidades negras e brancas. Hip-hop é para qualquer pessoa que quer escutar. O New England Patriots vão para o Super Bowl... Já basta!”
Poderia contar alguma história mais recente?
“Verão 2003: Akrobatik, Fakts One e eu fomos numa turnê na Europa. Na verdade, foi a primeira vez que fizemos uma turnê na Europa juntos. Os primeiros dois shows da turnê foram na República Tcheca, num festival enorme. O melhor momento da minha vida... Foi simplesmente insano. Sinuca aberta durante o dia... Galera por todo lado... Eu espero voltar no próximo ano.”
Quais foram os altos e baixos do hip-hop?
“Ponto alto: 1985 – 1994. Ponto baixo: eu abri para Rakim no Strand Theater em Dorchester e ele fingiu que cantava sobre um playback o set inteiro.”
Como você conheceu El-P?
“Eu conheci-o em um show em Boston quando Company Flow veio para a cidade. Ele tinha escutado a minha música ‘Madness in a Cup’ e pediu para que fôssemos apresentados. Trocamos telefones e logo tornamos amigos... Quando menos se espera, estamos fazendo turnês pelo mundo juntos e fazendo discos.”
Você gostaria de produzir mais as suas músicas ou você se sente confortável com El-P?
“Eu amo trabalhar com El, mas existe uma certa intimidade que vem de fazer a sua própria batida e escrever para ela, então eu irei tentar fazer mais para voltar a isso. Acredite em mim, El-P continuará sendo algo permanente no meu time de produção.”
O que motiva você?
“Toda a experiência da vida diária. Isso inclui as minhas experiências e das pessoas à minha volta. Eu também sou inspirado pela imaginação. Sendo filho único, talvez eu tenha tido muito tempo para sonhar.”
Por que você escolheu a música como forma de expressão?
“Eu não pude evitá-lo. Como eu falei antes, eu cresci dançando com meus pais. É apenas que eu sou.”
Entendo, então quando você descobriu que a música era a forma que você iria usar para se expressar?
“Provavelmente em 1993, quando eu comecei com o meu próprio material”.
Quando uma outra pessoa descobriu isso?
“Em 1995 eu sai da universidade para seguir a minha carreira e passei a minha fita para uma das minhas personalidades favoritas de rádio de Boston. Por sorte ele gostou das minhas coisas e começamos a trabalhar juntos imediatamente.”
Qual é a diferença entre cantar e fazer rap?
“Eu acho que qualquer forma de letra pode dizer algo. Não importa se você pode rimar ou cantar. Cantores têm a coisa fácil porque eles podem escrever algumas palavras, repeti-las e esticá-las enquanto seguram uma nota por algum tempo. Em nenhum momento eu tiro o crédito da habilidade deles de provocar emoção através dos tons dos vocais. MCs têm que escrever milhões de palavras por música, transmitindo diversas mensagens em cada linha para formar uma visão geral... É muito trabalho.”
Eu sempre tive uma curiosidade, vocês nunca esquecem de memorizar tudo?
“Claro que sim! Ás vezes acontece durante o show (agradeça a Deus pelo freestyling), às vezes durante gravações. A chave é perseverança e técnica.”
Como você tem controle da sua música?
“Eu não tenho pressão de uma gravadora para fazer discos de ouro, então eu tenho praticamente a liberdade de fazer o que quiser.”
Bem, como as suas letras são tão políticas irei perguntar: a terra está constantemente atacada pela guerra e falta de entendimento, como você luta contra isso e como você acha que a pessoa comum deveria?
“Eu acho que os dias do protesto como a nossa principal forma de vingança já terminaram. É uma guerra de informação. Desde nossos anos formadores grandes corporações interferem nas nossas mentes, formando a nossa percepção do mundo diariamente enquanto envelhecemos. Eu acho que qualquer reforma significante irá emergir de uma sociedade que realmente reconheça e acredite que o governo não está funcionando para eles e que o nosso estilo de vida não é realmente saudável. Eu tento fazer o melhor possível para desenterrar verdades em que tropeço para poder apelar para novas formas de perceber o nosso mundo.”
Tenho certeza que você chegou a algumas conclusões, certo?
“Eu acho que irei salvar as minhas revelações para o próximo disco, desculpe.”
Para quem você está mandando a mensagem?
“Para quem quiser escutar.”
E os projetos da Def Jux têm algum alvo?
“Eu não acho que nenhum de nós tem um alvo em particular. Toda categorização é algo divertido para a mídia fazer. Quando eu estou fazendo discos, eu estou imitando lendas do rap que eu cresci escutando. Se eu sinto que a minha música receberia algum amor durante as prestigiosas eras do hip-hop, então eu as lanço.”
Já pensou nas pessoas que não são americanas e que escutam a sua música?
“O tempo inteiro. Eu tento tocar em tópicos que eu sinto serem universais e refinar os meus métodos de comunicação para o que eu esteja dizendo seja claro para qualquer pessoa que esteja escutando. Eu irei começar a imprimir as minhas letras dentro das capas dos meus discos para fãs que não falam inglês. Espero que as pessoas tirem um tempo para traduzi-las.”
Palavras Ana Garcia
Foto Divulgação
fonte: www.realhiphop.com.br
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