segunda-feira, 17 de março de 2008

DRIFA :"O Hip-hop não esta bem porque os MCs são uma decepção"

Este é um momento memoravel para o nosso blog, iniciamos o ciclo das entrevistas com um dos mais consistentes MC's do cenario underground, uma consistencia que se reflecte na entrevista a seguir. Drifa, rapper nativo de B-Town, um dos pioneiros do movimento hiphop beirense, actualmente no grupo Nauseas, autor do album MUITOS CHAMADOS, POUCOS ESCOLHIDOS, cuja promoçao continua a ser tema de conversa em alguns circulos, abriu o livro deu respostas que justificaram a solidez que tem sido a sua carreira.



IXITAPORA-Que balanço fazes do teu Primeiro Álbum? As metas estabelecidas foram alcançadas?

Como avalia o impacto do álbum na comunidade?

DRIFA: O impacto é positivo. O álbum atingiu ouvidos que eu nem contava. Recebo muitos comentários sobre o álbum, alguns niggaz surpreendem-me com a atenção que dedicaram ao álbum.

Resume o que querias transmitir.

DRIFA: Como todo e qualquer artista, eu pretendia transmitir ao mundo a minha maneira de ver as coisas.

Que inovação teu álbum pretendia trazer ao hip-hop nacional?

DRIFA: Não posso revelar a inovação que o meu álbum pretendia trazer porque essa inovação ainda está por vir.

Qual foi o critério para a escolha dos temas?

DRIFA: Não houve um critério muito rígido. Escolhi os temas entre várias letras e beats que já tinha crus, trabalhei os gajos, acrescentei novas cenas e saiu o álbum. Se calhar foi a primeira coisa que me chamou atenção para a frase “Muitos Chamados, Poucos Escolhidos” J

O que significa MUITOS CHAMADOS POUCOS ESCOLHIDOS?

DRIFA: Esta é uma frase bíblica, ouvi na catequese quando era púbere e ainda acreditava em Deus, nunca mais me esqueci dela.

Reflectindo sobre ela, pode-se ver que as regras da vida resumem-se nesta frase. É possível encaixar esta frase em todas as coisas que um gajo faz, vê, ouve, etc. Passamos por várias situações no quotidiano em que ou fazemos parte dos Chamados ou dos Escolhidos.

Onde podemos encontrar o álbum a venda?

DRIFA: O álbum já não está a venda. Fizemos apenas 50 cópias do álbum. Quando as cópias acabaram, decidi não reproduzir mais mas sim disponibiliza-lo gratuitamente. Quem quiser é só mandar um mail para thedrifa@gmail.com que eu respondo a dizer como pegar o álbum.

Para quando um vídeo?

DRIFA: É uma pergunta que eu também me faço mas não consigo responder J

XITAPORA-Num grupo como Náuseas o que motiva o lançamento de álbuns a solo sem que haja indícios, pelo menos públicos, do lançamento do álbum do Grupo?

DRIFA: Isso só mostra que Náuseas é um grupo rico. Mas basicamente são nossos compromissos laborais que atrasam a saída do álbum do grupo. Os álbuns a solo saem mais facilmente porque só dependem das horas livres do autor. Diferente do álbum colectivo que depende da intersecção das horas livres de todos intervenientes. Estamos a desenhar nosso álbum mas ainda não temos nenhuma previsão.

XITAPORA-O teu trabalho reflecte a continuidade daquilo que é o hip-hop local ou é uma forma de discordar com alguma coisa?

DRIFA: É uma forma de discordar com os MCs que fazem álbuns em que 50% das músicas falam do amor que sentem pelo rap, 25% falam dos falsos MCs, 25% falam deles e dos niggaz do bairro. Acho que temas como estes são para mixtapes, singles pra rádio, etc. álbum é outra historia. Se fores a notar, nossos três álbuns (A esperança me foge, Tudo Se vende Tudo Se Compra e Muitos Chamados Poucos Escolhidos) falam pouco do rap game, é uma maneira de pensar que nós os três comungamos.

XITAPORA-Toda gente deve querer saber… porque a promoção do álbum é quase inexistente?

DRIFA: Y-Not já disse: “Tudo vai com tempo”.

XITAPORA-Produzes tuas músicas, teu estilo é diferente do que se faz. Quais as tuas influencias?

DRIFA: No começo Erick Sermon influenciou-me muito, acho que até hoje tenho traços dele, principalmente nos fundos e basses. Além dele houve outros: DJ Scratchator, Dr Dre, Hi-Tek, Parrish Smith, Premier, RZA. Um produtor moçambicano que eu admirava quando eu estava a começar a produzir era NStar, escutei maningue Positivas Letras (Aranha Céus) e Nossa Intenção(NStar & Carbono). Admiro a técnica de Timbaland e alguns produtores recentes como Scot Storch e Nicolay mas esses me influenciam muito pouco porque passei a observá-los depois de eu ter uma linha um pouco firme. Sei que alguns produtores vão querer a minha caveira mas 9th Wonder e Madlib ainda não me convenceram. Eu sou um admirador das produções de Madlib e 9th Wonder, os beats são loucos mas a técnica não, tocam muito pouco.

XITAPORA-Dê-nos a tua opinião ou visão em relação a actual vaga de produtores de rap em Moçambique. O que está bem? O que está mal?

DRIFA: Sem dúvida, o que está bem é a qualidade. A quantidade de produtores também está bem, aumenta a possibilidade de escolha dos MCs. Lembro-me que quando eu ainda estava na Beira com meus Niggaz da Street Shamba, fizemos as primeiras músicas com um produtor de passadas! Isso porque não havia produtores de rap (nem um!) na altura.

Acho que o que está mal é o “relaxamento” de certos produtores…sinto que há produtores que tem uma evolução polarizada: preocupam-se em adquirir novos samples, novos plugins, novas versões dos programas (Fruity Loops, Reason, Samplitude…), etc. Esta evolução é extremamente importante mas incompleta, acho eu, se não for acompanhada pelaevolução técnica: a produção como tal.

Não condeno os samples, toda gente usa, mas aprecio muito os beats em que a maioria dos sons é tocada. Isso explica porque eu admiro a técnica de Nicolay e não 9th Wonder.

XITAPORA-Acha que os rappers têm sido coerentes ou inteligentes na análise ou intervenção que fazem em torno dos assuntos sociais e políticos em Moçambique? Até que ponto as suas músicas reflectem o que se passa no pais ou até que ponto se transformam em puro protagonismo?

DRIFA: Uns sim outros não. Quando eu escuto uma música eu preciso ter a sensação que a pessoa que está a cantar identifica-se com o que está a dizer. Infelizmente sinto falta disso em muitas músicas que escuto. Aliás, vi no vosso blog a frase “Se não sente, não canta” do Mano Brown dos Racionais MCs.

Portanto, mesmo sem sentir as coisas, há gajos que escrevem o que as pessoas querem ouvir… o que “vai bater”. Isso é protagonismo.

XITAPORA-A teu ver, que futuro se pode esperar do hip-hop tendo em conta o actual cenário. Concorda com a frase “o hip-hop está bem”?

DRIFA: O Hip-hop não esta bem porque os MCs são uma decepção. Eu disse o que disse dos produtores mas os produtores estão a fazer trabalhos excelentes hoje há bits de todos sabores, volumes e velocidades mas quanto aos MCs já não digo o mesmo. Milhões e milhões de MCs mas poucos escrevem cenas audiveis.

Actualmente está a surgir um fenómeno que me preocupa: estamos a ser influenciados por MCs que não tem força, garra e atitude no micro, refiro-me a essa onda de MCs actuais da Justus League, Low Budget e seus derivados. Os gajos não repam, é claro que estou a fazer injustiça porque tanto na Justus como na Low há produtores e MCs que admiro bastante mas a verdade é que eles estão a influenciar os mcs emergentes para uma forma de repar que não aprecio. Epah… perdoe-me mas sou da ala dos que admiram MCs com garra no MIC: Eon, Chip fu, Pharaoe Monch, Busta Rhymes, KRS-ONE, Sticky Fingaz, Talib (quando ainda estava em forma), B-Real, Redman. Falo de MCs americanos porque são as referencias que tenho, essa é a minha escola.

No futuro, a comercialização do hip-hop vai atingir maiores proporções e com isto hão-de aparecer mais e mais falsos a ficarem cada vez mais e mais ricos e os undergrounds mais e mais nervosos. É só olhar para os EUA para ver como será o futuro do hip-hop moçambicano.

XITAPORA-Achas que as musicas actualmente produzidas conseguem ser mais populares que aquelas produzidas há dois ou três anos, como por exemplo quando fizeste “Aproxima-te” ou quando Náuseas gravou “Um Verso por Escrever”, o Mercado Negro gravou Sleepy Hallow (não tenho a certeza do titulo), entre outros?... O que esta a faltar ao hip-hop?

DRIFA: Eu acho que sim, porque hoje tens possibilidades infinitas de difusão. Faço uma musica hoje, entrego-te e colocas no blog, entrego ao mack e coloca no blog, coloco no meu myspace, sem falar nos vários programas de rádio, estou a falar daqueles em que não precisas de ter influencias para passar a musica J. Mas isso é para dizer que hoje, em 24 horas podes ter a tua música espalhada.

Portanto, os meios de difusão hoje são infinitos, o produto difundido é que está a baixar de qualidade.

XITAPORA-O hip-hop esta confinado as casas de pastos e bandas livres, praticamente começa a sair das ruas e das salas que acolhem mais pessoas. Concorda com essa afirmação? Se sim diz qual o motivo disto e o que se pode esperar deste comportamento?

DRIFA: Não concordo, eu acho que pelo menos em Maputo tem havido mais espectáculos de hip hop a cada dia que passa. Faltam espectáculos interprovinciais: MCs de Quelimane em Niassa, MCs de Cabo Delgado em Xai-Xai, MCs de Inhambane em Chimoio, etc. Mas antes disso é a música que tem que girar deste modo.

XITAPORA-O que mais te alegrou e escandalizou em 2007? Como analisas a música que é difundida na midia? Como analisas a midia hip-hop?

DRIFA: O que mais me alegrou em 2007 foi o facto de ter lançado o meu álbum.

A música difundida na midia é o que é: “Vamos curtir heeeehhh vamos saltar heehhh”J. Não condeno, acho um estilo necessário e consumo de vez em quando mas não colecciono porque eu gosto de escutar álbuns, não hits.

Entre uma palha e outra consegues encontrar mais mensagem nas músicas comerciais do que em muito underground que anda por ai, lançam-nos areia aos olhos com frases como “isto é rap consciente, abre a tua mente” mas não passam dai. Alguns “pimbas” pelo menos conseguem dizer “usa camisinha nem que seja com a tua vizinha”…

A midia hip-hop está cada vez mais forte: programas de rádio, blogs e MySpaces que não acabam, jornais, etc. O que falta, e haveria de mudar bastante o cenário, é um programa de TV 100% hip-hop. Quando digo hip-hop, digo hip-hop de pessoas que sentem isto, não gajos que servem-se desta arte para outros fins.

XITAPORA-Fale-nos do seu novo álbum. Titulo, perspectivas?

DRIFA: Comecei a pensar no álbum quando 2008 iniciou. Ainda não tenho muita coisa em mente mas garanto que não lanço enquanto eu não sentir uma evolução do primeiro para o segundo. Se escutares os álbuns de Sam The Kid hás-de ver a que me refiro quando falo de evolução.

XITAPORA-Algumas vozes dizem que as recentes manifestações mostram que o pais esta a descontrolar-se. Concorda? O que esta a falhar?

DRIFA: Estamos numa situação em que já não é possível fazer undo, só podemos esperar pelo próximo restart e entrar com outro username para ver se as coisas melhoram J

XITAPORA-O que está a ouvir agora?

DRIFA: Agora que escrevo o meu player tem uma lista com Lootpack, OGC, Arrested Developement, Leaders Of The New School e Masta Ace.

Sabes muito bem que nos os produtores escutamos os mais variados estilos de musica… mas mencionando alguns dos MCs que mais atraem a minha atenção actualmente: Wildchild(dos lootpack), Planet Asia, Eon (dos Smuf Peddles), Quasimoto, Busta Rhymes, Heather B, Organized Konfusion, Sean Price, Niosta o Filho do Cossa. Escuto bastante os álbuns de Brother Cycle e Y-Not J

Além do hip-hop, minha segunda paixão (é claro que falo de paixão na arena musical) é jazz, refiro-me àquele jazz do estilo americano, infelizmente ainda tenho uma pequena colecção mas espero engordá-la.

xitapora@2008


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