Tirem-nos tudo,
Mas deixem-nos a música!Tirem-nos a terra em que nascemos,
Onde crescemos
E onde descobrimos pela primeira vez
que o mundo é assim:
um tabuleiro de xadrez…
tirem-nos a luz do sol que os aquece,
a lua lírica do shingombela
nas noites mulatas
da selva moçambicana
(essa lua que nos semeou no coração
a poesia que encontramos na vida)
tirem-nos a palhota – humilde cubata
onde vivemos e amamos,
tirem-nos a machamba que nos dá o pão,
tirem-nos o calor do lume
(que nos é quase tudo)
– mas não nos tirem a música!
Podem desterrar-nos,
Levar-nos
Para longes terras,
Vender-nos como mercadoria,
Acorrentar-nos
À terra, do sol à lua e da lua ao sol,
– mas seremos sempre livres
se nos deixarem a música!
Que onde estiver nossa canção,
Mesmo escravos, senhores seremos;
E mesmo mortos viveremos.
E no nosso lamento escravo
Estará a terra onde nascemos,
A luz do nosso sol,
A lua dos shingombelas,
O calor do lume,
A palhota onde vivemos,
A machamba que os dá o pão!
E tudo será novamente nosso,
Ainda que de cadeia nos pés
E azorrague no dorso…
E o nosso queixume
Será uma libertação
Derramada em nosso canto!
– por isso pedimos,
de joelhos pedimos:
tirem-nos tudo…
mas não nos tirem a vida,
não nos levem a musica!
L. Marques, 4/1/1949
Inédito
sábado, 5 de julho de 2008
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