domingo, 8 de junho de 2008

Face Oculta:A esta altura seria religioso se houvesse consenso em relação a mim




Primeira Parte


Depois de algumas semanas sem actualizações o xitapora volta em grande e com a primeira parte duma entrevista de luxo com uma incontarnável referencia do hiphop moçambicano.Esta figura que muitas vezes se cofunde com “um alvo a abater” quando muitos dos debates hiphop da nossa praça se desviam de metas construtivas para debater essa individualidade que se dá pelo nome de Face Oculta, Lil Brother H ou simplesmente Hélder Leonel Malele. Enquanto não materializamos a segunda parte, a primeira está compilada e disponivel ao leitor nas linhas abaixo:

1-Helder Leonel esta ligado ao HipHop time, a tua historia se confunde com a historia do programa. Helder é para muitos o locutor de radio...ja te passou pela cabeça que ao longo destes anos a carreira de MC ou rapper, criador de musicas com uma identidade propria pode ter sido ofuscada pelo locutor de radio do estilo pode ja nao existir um rapper (aquele que pega no microfone e rima) em ti pelo menos aos olhos do publico?

R: É um prazer enorme estar num diálogo aberto entre três pontos, o entrevistador, o entrevistado e um publico que nos observa. Sim, o meu envolvimento com o hiphop mostra isso. Passa sim pela minha cabeça que pode não existir um rapper, porque a dado momento priorizei a radio e a produção de eventos. Antes de ser rapper já queria fazer radio e tambem ser rapper, mas fiz mais em uma das duas e a mania do perfecionismo ofuscou de facto o meu empenho como rapper. Em relação a identidade própria acho que sou universal sem esquecer as minhas origens. O rapper existe embora muitissimo pouco visível claro.

2-Como podemos caracterizar o rapper Lil Brother H?Ainda sente-se capaz de impor respeito no meio desta geraçao de muitos e bons talentos?Impor-se não pela experiencia trazida ao longo dos anos mas sim pela criatividade e talento de dizer as coisas em cima de uma instrumental e despertar a mesma atençao que rappers como Duas Caras,Azagaia,etc?

R: Eu sou mais de sugestões e não imposições. Não, não pretendo como nos tempos em que mais se fez sentir o Lil Brother H, despertar atenção como os rappers que citaste, mas gostaria que a minha musica fosse simplesmente respeitada, ou seja atualmente as minhas aspirações são outras por isso também é que nasceu “Faceoculta”. Quanto a criatividade, creio que existe para despertar atenção, mas talvez não na mesma medida que a dos rappers que citaste, eles são melhores do que eu em muitos aspectos.

3-Praticamente leva muito tempo a mostrar os seus projectos, não mais de 5 (corrija-me) musicas a solo foram mostradas ao longo da sua carreira. É perfecionista ou existe algum receio de uma figura da tua importancia não venha corresponder as espectativas? Achas que as pessoas ainda guardam alguma espectativa por um album seu?

R:-Levo sim muito tempo para mostrar algum trabalho musical, acho que as minhas intenções ao gravar não tenham a mesma carga que a de muitos rappers. Tenho o problema de fazer musica para agradar a mim primeiro e depois sinto me bem quando alguem sente a minha musica. Se tiver um impacto ainda maior é bom. Já pensei assim muitas vezes(Não poder corresponder as expectativas), mas isso aprisiona o artista porque ele acaba fazendo musica por causa das pessoas e não exactamente para as pessoas. Não tenho a noção estatística se as pessoas guardam expectativas ou não. Mas há reacções de varias pessoas no meu dia a dia no sentido de que devo lançar alguma coisa.

4-Nao é uma figura consensual. Se calhar ninguem o é...mas sente que muitos debates de hiphop se transformam em debates sobre Helder Leonel...consegue dormir e viver com esse peso?Nunca pensou em fugir disto?

R: A esta altura seria religioso se houvesse consenso em relação a mim. E acho melhor dizer “alguns debates” se transformam em debates sobre mim. Mas compreendo porque acontece a outros produtores mais antigos e até a novos noutros generos musicais. Há sempre uma reacção que reclama pontos vitais em qualquer processo. Se reparares eu estou metade envolvido com rap e metade com outros generos musicais no trabalho que faço e isso pode não cair bem para os que se consideram real hiphoppers, mas eu me considero real hiphopper. Não faltam momentos em que penso em, não “fugir” mas sim “largar”, são inumeras as situações decepciontes, mas fico até onde a história me mantem.


5-Existe alguma hostilidade contra a tua pessoa por parte dos rappers. É vitima de uma injustiça ou de algum ajuste de contas? É mal entendido ou não é perdoado?Tens a consciencia tranquila?

R:É engraçado que você é uma entre menos de 6(cinco) pessoas que me dizem isso, é uma hostilidade invisível, o que sinto é uma reacção negativa por parte de pessoas que veem Hélder Leonel ou o Classicohiphoptime para a sua integração ou para ganhar algum reconhecimento e que provavelmente tenham sido infelizes nesse aspecto. Temos um publico interno, que são os rappers, produtores e os demais envolvidos activamente na cena que é certamente uma camada intelectualmente bem ou mal preparada e que parte dela reage conforme suas convicções. Por outro lado temos o publico externo constituido por publico em geral(Ouvintes, fãs, simples apreciadores) mas que entre este publico surge uma convicção vertiginosa de que cada um é rapper e quer tocar na radio. Não falta a ausencia de percepção de certos aspectos. Se em dez pessoas, três me entendem, está bem e é exactamente por perceber um pouco, o quanto é complicada a consciencia humana que tenho a minha consciencia 80% tranquila. O resto da percentagem são preocupações que não tem haver com hiphop.


6-Nos ultimos anos adoptou ou passou a assumir publicamente o seu lado humanista. Parece-nos ser adepto do metodo satyagraha de Ghandi, que mais tarde foi também usado por Martin Luther King (verdade e firmeza, em sânscrito), que pregava a mobilização sem violência.Como podemos definir a violencia no meio hiphop?

R:Aceito de certo modo estar influenciado por esses individuos. A violencia no hiphop felizmente não é fisica, acho que é de consenso que não se pretende por nada ter situações semelhantes as de Tupac e Biggie Smalls no nosso hiphop. A violência é psicologica. Os meios intelectuais que se usam para atingir certos fins é que são violentos e isso varia de acordo com as influencias e educação que cada um tem. Por exemplo: o perfil de alguns rappers, as discussões sobre o ser ou não ser original e as diferenças sociais entre os protagonistas do hiphop, são alguns aspectos tem estado na origem de algum protagonismo violento e isso é caracteristica de quase todas as paragens hiphop no mundo inteiro, mas não é por isso que vamos copiar ou ser violentos justificando querer operar mudanças. Pelo que eu saiba o Hiphop é cultura de paz

7-Essa forma de se mostrar como humanista, nunca foi acusado de estar a fazer culto a sua propria imagem? Stokely Carmichael fizera o mesmo com King, vejamos...que acçoes palpaveis tem desenvolvidos na sua luta contra a não violencia?

R:É preciso separar as coisas, eu fui membro de um movimento organizado e activo, o movimento humanista em Moçambique a convite do meu irmão e do Ivan Andrade* e tem varios conselhos pelo mundo, eu estava num dos conselhos em Maputo, fizemos varias actividades invisiveis para quem está preso ao hiphop ou a uma certa esfera da sociedade. O hiphop é só um dos veículos pelo qual se pode tambem humanizar e veio por aí o “Hiphop Laranja”. Deixei de ser membro activo e preferí apenas ser humanista sem estruturas e actividades organizadas do Movimento. Abraçar a dimensão humanista pretendida no Movimento era algo na qual muitos incluindo eu, não estavamos preparados. Aí sim poderia estar a cultivar um personagem que não vai de acordo os principios humanistas. É uma dimensão extra-ordinária. Neste momento desenvolvo o ideal de uma forma artistica e na vida cotitidiana. Mesmo sem querer acabamos todos cultivando os nosso ideais em qualquer âmbito

8-Acha que a sua luta faz sentido?Tem seguidores?Tem ouvidos?Tem credibilidade suficente para ser levado a sério?Quais os maiores entraves a sua luta?

R: Faz sentido na medida em que é algo vital, é como uma missão que apenas passa por mim e que deve continuar em outros, eu sozinho não vou mudar o mundo, outros devem fazer a sua parte e é uma luta que não procura credibilidade institucional ou num grupo de pessoas. Não se procuram dados estatisticos sobre seguidores, eu atuo em radio e cada ouvinte que dá um feedback positivo sobre as minhas sugestões ideológicas significa que é mais um que se alimenta espiritualmente ou se consciecializa via Hélder Leonel, e isso é gratificante. A autenticidade desse tipo de lutas não está no que se diz mas no registo interno que cada ser tem da sua atitude, ou do retorno da sua atitude. Por exemplo os que encontram a paz violentando os outros, a sua consciencia e o seu estado interno são discutiveis.

9-Acha que é possivel viver sem violencia? A morte de King gerou morte e violencia.Tudo aquilo que ele lutava contra. Nao achas que a hostilidade, a violencia faz parte da natureza humana as vezes como forma de sobrivencia e outras como forma de revoluçao?

R: É possivel, pois acredito que os povos do mundo nas diferentes vertentes étnicas e culturais desenvolvem um cultura comum que é a cultura de paz. O invasor, ou o opressor é que semeia a violência. E infelizmente o ultimo estágio de qualquer grupo violentado é responder com violência. Concordo que violência se tenha tornado numa forma de sobrevivência, mas não posso concordar que essa seja uma posição futurista. Enquanto se verificarem desigualdades abismais haverá violencia, mas acredito que o mundo objectiva caminhar para a não violência.

Esta é a fase do auto conhecimento, embora muitos auto-escolarizam-se com muito erros. É claro que há muitos bons rappers hoje do que ontem.

10-Essa é uma afirmaçao da sua autoria retirada na entrevista que concedeu ao Mak Da P. Acha que realmente nos encontramos na fase de auto conhecimento? Ja nos libertamos de paralelismo com o HipHop Americano? Por exemplo...o rap brasileiro é diferente num ponto: nota-se que há uma tendencia de trazer sempre nomes americanos quando se discute aspectos técnicos no nosso HipHop. Achas que um dia vais conseguir debater a produçao das musicas em Moçambique sem mencionar os produtores americanos com o entusiasmo que sempre mostras ?

R:Eles continuam a apresentar a melhor qualidade técnica e acho que nós devemos continuar a adiquirir com dominio as suas técnicas para desenvolver o que é nosso e isso há de ser possivel. Hoje estamos melhores do que ontem e certamente amanhã estaremos melhores ainda. Só falta o melhoramento e uso adequado das técnicas ocidentais que temos demasiadamente ao nosso dispor para competir paralelamente e não para nos prendermos em paralelismos. E quando falo em técnicas falo não só de qualidade, mas tambem das formas e dos passos implementados para se concretizar nossos objectivos. Eu mostro o mesmo entusiasmo ao mencionar produtores locais e norte-americanos


11-Caracterize o hiphop moçambicano. Fale dos principais momentos do hiphop moçambicano.

É um movimento ainda que disperso, mas com potenciais pensadores, produtores e talentos e com feridas e cicatrizes iguais as deixadas pela historia social e politica do país. Falar de momentos para mim(atenção para mim) é falar de Basket in Rap show(1995); Entrada do Hiphop na radio(1995); 1º Show Black Company (1996); 1° Show Rappers Unit(1997); 1º Show G pro(2002); 1° Show –Atenção: Desminagem-Kandonga; Shows Gpro Tchova; Show “Essencia do Hiphop”- A quinta no Africa, (2003); Hiphoptime “especial independencia”(2005), Agosto Negro(2005); Festival de Prémios Hiphoptime(2005), Lançamento de CD“mais hiphop no teu ouvido”; Lançamento e impacto de “As Mentiras das verdades” de Azagaia e o uso de bandas no acompanhamento a grupos de rap e Lançamento da Revista “O Tunel”

12-Vou fazer uma pergunta embaraçosa. Achas possivel que uma geração de rappers como a dos Rappers Unit cujas obras não existem disponiveis para nova geração seja importante ou uma referencia para essa mesma geração (a nova)?

Talvez sim, talvez não sejam referencia importante pela ausencia de obras, mas referencia importante como um grupo que intencionou pôr em marcha com mais força o hiphop. Já existe uma nova geração influenciada pelos influenciados pelos Rappers unit e é exactamente por fazer parte dos Rappers Unit, que não sou indicado para responder essa questão, deixo a resposta a cargo da história e de cada leitor. (risos)...Oops! acabei resposdendo, mas considera a minha resposta nula.

* Coordenador Geral do Movimento Humanista e Mestre nacional de Xadrez

Fim da Primeira Parte

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